O que é?
Para discutir a serendipidade aplicada nas áreas da Ciência da Informação é necessário primeiro discutir o significado dessa palavra esquisita: Serendipidade, ou serendipia para facilitar, significa, brevemente, uma descoberta inesperada, feliz e útil. Isto sugere algo radicalmente contrário, algo esperado, inútil e infeliz (a zemblanidade).
Ou, então, sugere termos mais específicos como a pseudo-serendipidade e a nemorinia. Ainda no caso destas palavras existem as adições “realizadas” e “percebidas” que descrevem seus contextos.
Meu primeiro contato com todas estas expressões da serendipidade foi o texto de Solomon e Bronstein (2018) que visitam a ópera L'elisir d'Amore para descrever as diferentes formas que a serendipia, a pseudo-serendipia, zemblanidade entre outras aparecem no decorrer da história.
Entrar em contato com todos esses termos me trouxe várias dúvidas e questões, mas uma pista importante que foi retirada desse artigo é a forma como os autores abordam o estudo sobre esses fenômenos:
O estudo se utiliza de uma leitura hermeneutica desde uma perspectiva de comportamentos informacionais do libreto L'elisir d'amore [...] através do qual foram identificados diversos "temas centrais" de comportamentos informacionais. (Solomon, Bronstein, 2018, p. 2, tradução nossa)
Através da abordagem descrita fica claro que a serendipia e as palavras adjacentes tratam muito mais do que o acontecimento aleatório sozinho, mas sim como as pessoas interagem com este evento aleatório podendo ser descrito como um comportamento informacional humano.
Esta diferenciação se evidenciará muito importante para entender como a serendipia é tratada e estudada em outros textos que serão analisados mais para frente. Por enquanto outras referências podem ser levantadas sobre o significado de serendipia.
O artigo Serendipity and its study de Foster e Ellis (2014) apresenta um aprofundamento muito maior sobre a serendipia e seus contextos filosóficos, principalmente no contexto da filosofia da ciência e da ciência da informação.
Sobre os textos de Robert Merton sobre a serendipia e o “padrão de serendipia” ou padrão serendipitoso os autores do artigo identificam as influências de Walter Cannon (com seu uso da palavra serendipidade no estudo da ciência) e Charles Peirce (com seu reconhecimento do papel exercido pelo processo lógico de “abdução” de uma hipótese).
Merton elabora que serendipia é a descoberta de um fato inusitado, enquanto que o padrão serendipitoso incluiria também o processo de reconhecer um potencial neste fato inusitado, desenvolvendo uma hipótese explanatória que pode se tornar uma nova teoria ou usada no contexto de outras teorias, ou seja, um processo de abdução.
Identificamos, então, duas distinções simples que podem guiar o entendimento deste conceito aplicado não só nas bibliotecas, mas como os outros espaços de informação, a primeira distinção é a serendipia em si, a sua descoberta como fato inusitado e possível utilização, enquanto que a outra é o agir sobre esta descoberta, incluindo todos os passos e padrões que são vistos no processo científico de abdução.
Podem parecer pouco diferentes, mas as distinções são importantes para descrever o quanto uma pessoa pode estar disposta a dispensar seu tempo em uma pesquisa; se uma pesquisa é acadêmica, uma descoberta inesperada, tangente à temática da pesquisa, têm maior probabilidade de se tornar um padrão serendipitoso, enquanto que uma pessoa que visita despretensiosamente uma biblioteca ou um website esquisito pode achar informações interessantes, úteis e divertidas mesmo que não passando para os passos do padrão serendipitoso.
Esta serendipia da biblioteca, da internet, do museu, do arquivo, etc, será elaborada na terceira parte e continuada na quarta desta série de textos, nestas partes serão discutidos os conceitos de “encontramento de informação” e “browsing”, conceitos estes que completarão um olhar básico sobre a serendipia na Ciência da Informação e seu dia a dia. Na próxima parte (segunda) irei explorar como os conceitos de serendipia são expostos e explicados nos artigos da wikipédia em português, inglês e espanhol, buscando também demonstrar e aplicar formas de melhorar o artigo em português no assunto.
- FOSTER, Allen Edward; ELLIS, David. Serendipity and its study. Journal Of Documentation, [S.L.], v. 70, n. 6, p. 1015-1038, 7 out. 2014. Emerald. http://dx.doi.org/10.1108/jd-03-2014-0053.
- SOLOMON, Yosef; BRONSTEIN, Jenny. Information Serendipity, Pseudo-Serendipity, Zemblanity, Disruptive Discovery and Nemorinity: revisiting donizetti's and romani's opera buffa l'elisir d'amore. In: ICONFERENCE 2018, ., 2018, Urbana-Champaign. Proceedings [...] . Urbana-Champaign: iSchool, 2018. p. 1-4. Disponível em: https://hdl.handle.net/2142/100225. Acesso em: 29 jan. 2023.